Balas vocais no sagrado do quilombo

Balas vocais no sagrado do quilombo

Eventos - 25, maio, 2019

 

A força incontestável das redes sociais atua para o bem e para o mal. Nessa história em particular, um grupo de WhatsApp serviu para reavivar uma brincadeira popular que está morrendo por falta de empatia entre as gerações mais jovens: o coco de roda.

Começou em outubro do ano passado por iniciativa Zé Silva, do grupo Coco de Roda Acauã, que teve a ideia de criar uma comunidade no aplicativo com representantes de grupos de cocos de roda.  “Nós conseguimos participação importante e o interessante é que esses mestres demonstram em suas postagens o interesse de realizar um encontro dos brincantes. Falaram sobre isso diversas vezes. Foi disso que surgiu a ideia de realiza o encontro de coco de roda”, conta Arthur Pereira da Costa, estudante de Direito e ativista cultural, que também integra o Acauã.

A interação virtual resultou na base para a reunião desses grupos que ficam a cada ano mais raros. Assim, numa ação colaborativa, os próprios mestres foram criando as condições para realizar o 1º Encontro de Coco de Roda e Ciranda da Paraíba. Cerca de 30 voluntários se empenharam para a realização do evento.

Balas vocais

A fusão afro-indígena no som e no visual, as batidas nos bombos e nos pés, o respeito à roda e as balas vocais das tiradoras dominarão por 11 horas chão e ares do território ancestral do Quilombo Ipiranga, no Conde – litoral sul – onde dez grupos se reunirão pela primeira vez para brincar.

Anfitrião, o grupo Novo Quilombo, com 30 anos de existência, abrirá as portas da casa – o sagrado barracão do coco dos Mestres Dona Lenita e Bitonho – para a festa, que terá entre os participantes Vó Mera e suas netinhas. O grupo é formado por moradores dos quilombos Ipiranga e Gurugi, no Conde.

Na roda (os participantes)

Ciranda do Sol

Coco de Roda de Cruz do Espírito Santo

Vó Mera e Suas Netinhas

Coco de Roda da Barra de Camaratuba

Coco de Roda Dona Edite

Coco de Roda e Ciranda do Mestre Zé Cutia

Coco de Roda Novo Quilombo

Coco de Roda Desencosta da Parede

Coco de Roda de Forte Velho

Coco de Roda e Ciranda do Mestre Benedito

Serviço:

25/5  |  14h  |  Quilombo Ipiranga  |  Conde-PB  |  Entrada: R$ 5

Extinção?

Os integrantes do Coco de Roda Acauã realizam uma busca por brincantes de coco na Paraíba e até agora encontraram 18 grupos tradicionais – aqueles cuja formação foi passada de geração para geração das mesmas famílias e comunidades do seu entorno. Há mais cinco mestres que estão com seus grupos inativos. “Mas acreditamos que existam muitos outros”, prevê.

Segundo avalia Arthur Pereira da Costa, a cultura do coco de roda – como tantos outros brinquedos populares – depende da transmissão entre gerações e o que ocorre é que os jovens atualmente têm outros atrativos, mesmo em comunidades rurais. Não há interesse deles em participar das brincadeiras com seus pais e avós, que é a camada dessas comunidade que mantém a prática do coco.

“Há comunidade em que os grupos pararam de brincar porque os mais jovens não aceitam participar. Não têm interesse. Então os grupos vão envelhecendo e essa cultura vai ficando de lado”, explica.

É nas cidades maiores que o desaparecimento desses grupos é mais rápido. Em João Pessoa, por exemplo, havia grupos de coco de roda na Torre e na praia da Penha. Em Cabedelo, havia em Camalaú e Miramar.

Hoje, os grupos que restam estão principalmente em comunidade ribeirinhas, vilas de pescadores, quilombos e áreas indígenas. Em regiões onde há famílias culturalmente fortes de brincantes, o coco ainda é passado para crianças porque os pais levam-nas para as rodas de festa. Quando as crianças vão crescendo e viram adolescentes são poucas as que mantêm o compromisso com os grupos de coco.

O jornal Correio traz neste sábado reportagem sobre o encontro de cocos

Mulheres no coco

A mulher assume papel fundamental na manutenção e na preservação das brincadeiras dos cocos na Paraíba. Foram elas que após muitos dos seus familiares falecerem seguraram a tradição e não deixaram-na cair. Atualmente a maioria dos grupos tradicionais tem lideranças femininas: Dona Teca, Ana Rodrigues, Dona Lenita (in memoriam), Dona Lenira, Dona Sinhorinha, Vó Mera, Odete de Pilar, Dona Cema, Tina, Cida, Edite, Patricya e Rosilda.

Os instrumentos

Em suas pesquisas, Arthur levantou dados importantes, entre eles sobre o instrumental do coco de roda e da ciranda na Paraíba, que varia conforme a localidade em que é brincado. Na zona oeste de João Pessoa e no litoral sul usa-se a caixa, o bombo e o ganzá, enquanto que no litoral norte a brincadeira é ritmada pelo uso exclusivo das zabumbas e ganzás. A caixa aparece apenas na ciranda de Cabedelo e em Barra de Camaratuba acrescenta-se o triângulo. Na região do brejo o triângulo chega na brincadeira para auxiliar a zabumba e o ganzá na levada do brinquedo. Já na cidade de Queimadas a brincadeira veste uma nova roupagem e se faz com a zabumba, a caixa, o prato e o triângulo. “Até então não tivemos notícias do uso do pandeiro nas tradições dos cocos em nosso estado, a exceção à regra é a Mazurca de Monteiro”.

Importância da roda

A presença da roda é fundamental para a manutenção e duração da brincadeira. É nela em que há o exibicionismo ora ingênuo, ora provocador, ora desafiador entre os que convidam e os que são convidados através da umbigada para se dirigirem ao centro da roda e de mostrar o que tem de melhor nos jogos de compra. Há comunidades que brincam com um casal na roda, outras brincam com uma pessoa por vez dentro dela e há aquelas que não se entra ninguém, mas sempre há roda.

Coco de roda e ciranda

Essas manifestações culturais existem na Paraíba assumindo diversas maneiras de brincar, saberes e fazeres que revelam a força dos povos negros e indígenas. Se estabelece e se fortalece a partir de relações comunitárias onde os que se destacam na brincadeira viram importantes líderes ou referências nos moldes ancestrais passados entre as gerações familiares. Tradicionalmente são brincados nos festejos de junho e julho, hoje em dia costuma-se brincá-lo o ano inteiro como forma de resistir e de passar os ensinamentos aos mais novos.

(José Carlos dos Anjos Wallach)