Duplo sentido com humor e sem palavrão, a arte do mestre João Gonçalves

Duplo sentido com humor e sem palavrão, a arte do mestre João Gonçalves

Música - 21, junho, 2021

“Ô lapa de minhoca

Eita que minhocão

Com uma minhoca dessa

Se pega até tubarão…”

As frases inocentes do refrão de ‘Pescaria em Boqueirão’ renderam a João Gonçalves muito sucesso e dores de cabeça. Estouro nas paradas, a música de duplo sentido – como a maior parte da obra do paraibano de Campina Grande – entrou no radar das autoridades, que proibiram sua execução pública, e o autor chegou a ser preso pela Polícia Federal em certa ocasião.

(Acima, João Gonçalves autografia disco em festa de seu aniversário há seis anos / Foto: Snides Caldas – Festar Imagem)

Quem lê os versos isoladamente não entende porque tanta truculência da ditadura – que comandava o país na época. Mas esse era o efeito magistral que as composições de João concebiam aos ouvidos. Não era necessário usar palavrões ou ser explícito, bastava jogo de palavras, usadas com perspicácia, e o contexto, para transmitir uma piada de duplo sentido sobre sexo, relacionamentos ou situações comumente vividas pelas pessoas no dia a dia.

Foi por esse caminho de muita criatividade que João Gonçalves trilhou e alcançou as luzes do sucesso, dinheiro e notoriedade em todo o país – e no exterior também, onde até hoje é tocado.

Partida no silêncio

O mestre, como muitos o chamavam, faleceu na madrugada desta segunda-feira (21), acometido por um infarto, aos 85 anos. Ele dormia, segundo a família.

Desde o início da manhã, familiares e amigos mais próximos acompanham o velório do artista no Centro de Campina Grande. O sepultamento ocorrerá às 10h desta terça (22), no Campo Santo Parque da Paz.

História

João Gonçalves teve seu LP quebrado, na década de 1970, pelo apresentador de televisão, Flávio Cavalcante. O fato, ocorrido em plena ditadura, não só trouxe fama como o colocou sob os olhares dos militares.

O caso que o levou a comparecer à unidade da PF, ocorreu em João Pessoa, após cantar ‘Pescaria em Boqueirão’, na Festa das Neves.

Se ‘Pescaria’ lhe deu sucesso e sustos, ‘Severina Xique Xique’, imortalizada na voz e trejeitos de Genival Lacerda, também falecido no início deste ano vítima de Covid-19, elevou João à categoria de astro nacional.

Nessa balada de hits, ele compôs e gravou ainda ‘Galeguinho dos Zoi Azu’, ‘Mate o Veio’, ‘Burrico da Gabriela’.

Além do humor e do duplo sentido, João é autor de canções em outros estilos, a exemplo de ‘Campina de Outrora’, obra que se tornou uma espécie de hino não oficial de Campina Grande. É dele também ‘Lugar ao sol’, gravada por Dominguinhos.

Elba Ramalho também cantou músicas do mestre João.

Coração sensível

João tinha mente ágil para mexer nas palavras e coração sensível para perceber mensagens que dariam tiro certo.

Mas o coração também era sensível fisicamente. Em março de 2018, aos 82 anos, João Gonçalves sofreu uma isquemia cerebral e chegou a ficar hospitalizado por alguns dias. Ficou temporariamente com dificuldades na fala. Os médicos permitiram que o tratamento seguisse em casa, desde que a medicação fosse rigorosamente administrada.

Naquele momento, João era tratado com Sinvastantina (usada em pacientes sob alto risco de doença coronariana, isto é, pacientes com diabetes, histórico de acidente vascular cerebral ou de outra doença vascular cerebral, de doença vascular periférica ou com doença coronariana) e losartana potássima (para o controle da pressão).

(*) João Gonçalves é homenageado no ‘Sextas Musicais’, projeto da UEPB, no Museu dos Três Pandeiros – Assista:

Veja imagens do velório

Momentos de João em Vida com a família

(José Carlos dos Anjos Wallach e Snides Caldas)