Jorge de Altinho diz que dinheiro público não deve bancar festas

Jorge de Altinho diz que dinheiro público não deve bancar festas

Música - 12, agosto, 2017

 

Ele começou a entrevista afirmando que preferia ficar fora de polêmicas, mas continuou o papo e deu um dos depoimentos mais sensatos sobre o antagonismo entre o forró tradicional e o ‘forró de plástico’, financiamento de grandes festas juninas, espaço para artistas nacionais e locais e a invasão do sertanejo no arraiá nordestino.

Jorge de Altinho, 65 anos, conversou conosco pouco antes de subir ao palco e fazer mais um show contagiante, dessa vez em Gurjão, no cariri paraibano, na Festa do Bode na Rua.

“Não entro nessa discussão, porque é muito longa”, foi logo avisando quando indagado sobre que opinião tinha a respeito da polêmica sobre o avanço do forró eletrônico em detrimento do tradicional. Mas continuou: “Veja, o Safadão cantou minha música ‘Confidências’ em alguns shows dele…e eu sou o cara que primeiro introduziu os metais no forró (trombone, sax…) , no início da carreira, nos anos 80”, lembra.

Altinho pontua, entretanto, que havia maior esmero musical – “…é claro que a gente caprichava no arranjo, nas letras…” – mas atenua o conflito: “Hoje é outro tempo, a garotada sempre teve seus ídolos, mas o novo sempre vem, as coisas vão mudando e quem dita é o povo”.

O repórter Snides Caldas entrevistou Jorge de Altinho no camarim, minutos antes da apresentação

Tem quer reciclar

Cantor e compositor de grandes suscessos no cancioneiro nacional, Jorge de Altinho tem 37 anos de carreira e assegura que ainda chega a fazer cerca de 25 shows no mês de junho, quando ocorre o pico das festas regionais no Nordeste, mesmo não estando presente no elenco do ‘Maior São João do Mundo’, como ocorreu neste ano.

“As vezes fico pensando: será que é legal todo ano? Faço Campina um ano, aí dou uma descansada no meu público e, um ou dois anos depois, volto com novidade. Se ficar todo ano com o mesmo repertório você deixa de ser atração”, avalia o artista.

Jorge de Altinho diz que São João tem a cara do Nordeste e da sua cultura, mas afirma que “o novo tem que entrar e os patrocinadores vêm atrás”.

“Essas festas de São João ficaram caras e precisam de financiamento, mas não com dinheiro público”

No seu entendimento, o São João como existe hoje se tornou uma festa cara, sobretudo em cidades como Campina Grande, Caruaru e outras que a produzem dentro da mesma proposta. Por isso acha que o poder público não pode bancá-las.

“Acho errado o Governo do Estado ou a Prefeitura bancarem uma festa dessa magnitude com dinheiro público. Esse dinheiro é pra bancar a educação, saúde, segurança…não para bancar festa para o povo tomar cachaça”.

Jorge Admite que o dinheiro oficial pague artistas locais em eventos de pequeno porte, que não onerem os cofres das cidades. “Os artistas locais têm preços acessíveis e podem estar em festas menores”. O próprio Altinho lembra que este ano tocou em Alagoinha, Esperança, Cacimba de Dentro, Princesa Isabel e Sumé, entre outras festas juninas de menor porte.

Debate complexo

O cantor considera que o tema é amplo e requer discussão sem paixões. Como é o caso da definição do elenco que deve tocar no São João.

“Você não pode dizer assim: ‘o artista tal está proibido de vir’. Porque não existe lei para proibir isso. E o público dele quer vê-lo, e a indústria que patrocinou tem interesse porque esse é seu público consumidor”.

“Campina já me deu muito e eu agradeço por isso”

Jorge de Altinho também dá um testemunho de gratidão a Campina Grande, mesmo não tendo participado da última edição de sua festa junina, afirmando que a cidade o valorizou durante anos: “Se me chamarem para o São João de Campina Grande eu vou. Eu não posso jogar Campina Grande na parede. Campina não foi maravilhosa pra mim 10, 12, 15 20 anos da minha carreira? Como é que agora não presta mais? Fica difícil, né?”.

Europeu gosta de forró

Jorge de Altinho também já fez muitos shows na europa e assegura que o povo europeu adora a música nordestina, mas aprecia como quem tem a curiosidade pelo elemento cultural: “Eles vêem o forró como folclore, uma música cultural de outro país. De qualquer maneira, é muito bom por que a gente mostra nosso trabalho lá fora”, diz.

Ele diz que pode-se ganhar dinheiro lá fora, mas que no seu caso, o dinheiro ficou por lá, porque ele aproveitou para passear. “No Nordeste o cascalho é melhor”, garante.

O artista acha que o público de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro é mais exigen: “Eles também adoram a música nordestina e são formadores de opinião. Mesmo assim, não são uma grande massa como aqui, que tem festa na rua pra se dançar”, compara.

 

(Entrevista a Snides Caldas / Edição e texto: José Carlos dos Anjos Wallach)

(Veja imagens do show e dos bastidores do show – clique sobre as fotos)