“Meu patrão”, o pensamento tosco de Silvio Santos

“Meu patrão”, o pensamento tosco de Silvio Santos

Opinião - 19, abril, 2020

 

“A minha concessão de televisão pertence ao governo federal e eu jamais me colocaria contra qualquer decisão do meu “patrão” que é o dono da minha concessão. Nunca acreditei que um empregado ficasse contra o dono, ou ele aceita a opinião do chefe, ou então arranja outro emprego”.

O recado enviado por Silvio Santos ao departamento de jornalismo do SBT, a emissora que reverbera o seu grande ‘baú da felicidade’, ilustra de forma irretocável o pensamento tosco dos donos de meios de comunicação no Brasil.

Na dura aos seus jornalistas Silvio nega que tenha dado alguma ‘contribuição’ – “um pitaco” – na polêmica e mundialmente condenada troca do titular do Ministério da Saúde.

Do exemplo como o protagonizado pelo homem do Baú as redações de jornais, rádios, portais e televisões estão cheias. Sem novidades. Não há jornalismo até o fim, a não ser que o dono tenha interesse em escancarar determinado assunto.

 

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O que há é malabarismo de textos e títulos para oferecer o factual – quando muito. Uma pantomima em que a verdadeira informação passa pelo filtro dos interesses e, muitas vezes, sai na cesta, não na sexta (piada de redação, de mau gosto, inclusive).

Desde sempre, as pedras são movidas de acordo com a cachoeira que o proprietário do meio de comunicação quer montar. O que Silvio Santos fez dias atrás foi deixar isso documentado em nota formalmente encaminhada aos jornalistas contratados pela sua concessionária de televisão.

O novo coronavírus tem deixado um rastro de morte por onde passa, também tem derrubado regras e criado novas percepções. No Brasil, o imbecilizado embate político que o vírus produziu escancarou algumas verdades que todos sabem, mas varrem para baixo do tapete – algumas delas são a importância da imprensa, do jornalista e da discussão, o mais rápido possível, sobre a política de concessões de meios de comunicação.

Já está dito na legislação que a concessão pública de um meio de comunicação tem o objetivo de servir à sociedade e não a um governo. Mas Silvio Santos, um dos maiores comunicadores brasileiros de todos os tempos, mostrou que não entende por essa via. Seu discurso também esclarece o que a casta que detém, sobretudo, rádios e televisões, não coaduna da missão dos jornalistas. Apenas os usa para criar um poder paralelo que, invariavelmente lhes serve como trunfo em barganhas políticas, econômicas, judiciais e qualquer outras que lhes satisfaz.

Enquanto o pensamento tosco de Silvio Santos for comum entre os empresários do setor, jornalistas ficam acuados. As tensões nas redações continuarão, mas não serão suficientes para fazer chegar a verdade ao cidadão.

 

(José Carlos dos Anjos Wallach)