Nosso Carnaval de rua

Nosso Carnaval de rua

Eventos - 12, fevereiro, 2018

 

Por Petrônio Souto

 

Pertinho do carnaval, eles saíam às ruas em comissão pedindo dinheiro aos moradores. Eram pessoas conhecidas, pobres, honestas e muito queridas no Rogers, bairro que mudou de nome porque o dono da única linha de ônibus não sabia escrever “nome de gringo”. Sempre às manhãs de domingo, lá iam eles: Luís Monteiro, Agostinho Tomás, Henrique Nascimento, Mário Teixeira, Eulálio Martins, Severino Lima, Edílson Paiva, Severino Almeida, Pedro Coutinho (avô do vereador), entre outros cidadãos comuns, recolhendo contribuições para o carnaval. Recebidos com satisfação aonde chegavam, os organizadores do carnaval do Roggers formavam o alegre escalão precursor de Momo. A presença deles nas ruas era a certeza de que o bairro viveria momentos de muita alegria.

Se não me falha a memória, o carnaval do Roggers começou a esquentar nos anos 50, animado pela vitrola do rádio-técnico e festeiro nato Luís Monteiro, que morava perto do Onze Esporte Clube. A Família Monteiro, pioneira do rádio da Paraíba, é numerosa e cheia de figuras humanas extraordinárias, entre elas “Seu” Luís. Toda família, apaixonada pelos segredos da eletrônica, possuía um altíssimo astral. Para ser mais fiel, a família de Luís Monteiro, que reunia sua mulher, dona Áurea, e os filhos Zezito, Marilú, Luizinho e Aurelina (anos depois barbaramente assassinada pelo ex-marido), era uma espécie de grupo de teatro, todos demonstravam ter certa veia artística. Tudo que dissesse respeito à música e alegria começava na casa de Luís Monteiro. Foi lá que ensaiei os primeiros passos do “twist”. Durante o carnaval, ele promovia a animação do bairro, colocando nas janelas caixas de som fabricadas por ele mesmo, grande novidade para a época, atraindo centenas de foliões. Daquela manifestação espontânea dos Monteiro, nasceu um dos carnavais mais animados de João Pessoa, o carnaval do Roggers.

Foram os próprios moradores que trataram de ampliar a movimentação que se concentrava entre a Gameleira (que desabou em maio de 2000) e a sede do Onze. Não se sabe ao certo se foi numa reunião na casa de Mário Teixeira, Henrique Nascimento ou Agostinho Tomás que surgiu a idéia genial de convidar os blocos, tribos indígenas e escolas de samba da cidade para desfilarem na passarela das ruas Joaquim Nabuco e Juiz Gama e Melo. Dizem que foi sugestão dele, Luís Monteiro, uma espécie de Joãosinho Trinta do Rogers, o maior boa praça que já conheci.

O fato é que o carnaval do bairro viveu seus tempos áureos enquanto era o próprio povo quem organizava e bancava tudo. Era um trabalho coletivo, ninguém pensava em autopromoção. No início, até o palanque na frente do Onze era o povo que montava. Nem o corso e o mela-mela do centro da cidade tiravam o folião do Roggers. O poder público, através do Departamento dos Serviços Elétricos da Capital, por solicitação da inesquecível Lourdes Vilarim, mulher excepcional, apenas instalava as gambiarras que davam um brilho todo especial às noites carnavalescas. A decoração também ficava com os moradores, liderados por um rapaz franzino, filho de “Seu” João Lourinho, o folclórico Jocemar Chaves.

Nos dias de desfile, domingo e terça-feira, sentadas em poltronas e cadeiras colocadas na calçada, ao longo das ruas Joaquim Nabuco e Juiz Gama e Melo, as famílias do bairro e seus convidados participavam da folia, sem o registro de nenhum caso de violência, como se a comunidade fosse um imenso clube social. Os que iam morar noutro lugar se reencontravam com os amigos no carnaval, matando saudades do bairro no arrastão dos Piratas de Jaguaribe, Bandeirantes da Torre, Esquadrilha V (da São Miguel), União em Folia (bloco formado por funcionários do Jornal A União), 25 Bichos, Malandros do Morro, Última Hora, Noel Rosa, Africanos, Papo Amarelo, Guanabara e Pele Vermelha. Era tudo muito simples, autêntico, gostoso, diferente do que é hoje. A coisa era tão caprichada que tinha premiação na terça-feira gorda e até mestre de cerimônia, Evanildo Serrano (Nido), grande locutor de eventos, sucedido no posto pelo irrequieto Maurício Alves.

O carnaval de rua, festa ingênua e de pequenas comunidades, de repente foi transformado em megaespetáculo, negócio bastante rentável para alguns empresários. Acho que as maquinações do poder e a força do consumismo, que se apropriam como ninguém das manifestações genuinamente populares, arruinaram o carnaval de rua de João Pessoa. O clima festivo do Roggers, que certamente era o mesmo do Varadouro, São Miguel, Cruz das Armas, Jaguaribe, Torre e Mandacaru, começou a desaparecer com a influência cada vez maior de políticos inescrupulosos e grupos interessados apenas em faturar alto com a festa do povo. A disputa pelo comando (esta é a palavra nada carnavalesca que se usa no ambiente de corrupção e autoritarismo que tomou conta do carnaval) acabava muitas vezes em violência.

O povo, na sua sabedoria, foi saindo de fininho, buscando outras formas de curtição. Poltronas e cadeiras foram retiradas das calçadas e colocadas para sempre diante da TV. De todo ânimo carnavalesco do bairro só restou a Catedráticos do Ritmo, do Tenente Brito e seus filhos José e Arnaldo.

É inevitável o lugar comum: Mudamos nós ou o carnaval? A resposta não pode ser outra: Mudamos nós e o carnaval. Sem saudosismo (só tenho saudades do futuro, daquilo que não vou viver), mudamos todos para pior.