O mestre do duplo sentido está ativo e prepara novo repertório

O mestre do duplo sentido está ativo e prepara novo repertório

Música - 26, julho, 2016

Aos 80 anos completados em maio, João Gonçalves de Araújo, é um dos artistas brasileiros com maior número de músicas editadas, inclusive no interior. O autor dos sucessos ‘Pescaria em Boqueirão’, ‘Galeguim do zoi azul’, ‘Severina Xique-Xique’ e ‘Catedral do Forro’, entre outros interpretados por dezenas de cantores, segue ativo e está preparando novo repertório.

“Não será mais para este ano, só para o próximo. Passei a maior parte do tempo gravando para os outros. Por isso não lancei disco este ano”, explica. “Também tive que cuidar um pouco mais da saúde”, diz ele, que passou por tratamento pulmonar.

Considerado o ‘rei do duplo sentido’, João Gonçalves acha que hoje em dia o estilo não existe mais, porque as tentativas de compor dessa maneira terminam fatalmente no explícito: “Agora, as letras vão direto para a pornografia. O duplo sentido tem que ser bem feito. Deixa-se clara a mensagem, sem falar palavrão”, ensina o mestre.

No pique

“Ainda hoje tenho música rodando na Europa, ‘A Cabritinha’ ”, revela João. O grande Genival Lacerda, que levou para o Brasil o seu forró de duplo sentido, gravou muitas composições e ainda hoje canta as músicas de João Gonçalves.

Outro artista que vai beber nessa fonte é Tom Oliveira, que fez muito sucesso com ‘Locadora de Mulher’.

Pouco antes da abertura do ‘Maior São João do Mundo’, em Campina Grande, onde mora, João Gonçalves foi homenageado pelo 80º aniversário em festa de amigos e familiares, entre eles, alguns artistas regionais. Ele deu entrevista a Snides Caldas, do blog Festar Muito (da grade do Correio on-line) e disse que tocaria na programação da festa caso fosse chamado.

A homenagem ao compositor, idealizada pelo músico Roberto Moraes, foi realizada no espaço Pé de Serra no Quintal, que costuma receber artistas da terra em apresentações nos finais de semana. João ganhou bolo, cantaram parabéns e ele recebeu vários cumprimentos, mas o presente especial ficou para o fã Daniel Duarte, que tem todos os discos de João e recebeu autógrafo do artista em cada um deles.

À festa também estiveram presentes Claudô Nascimento, Nô Nascimento, Ananias do Acordeon, o mestre Severino Medeiros, Oscar Neto (Coroné Grilo), o cantor Rildo Menezes, entre outros.

Raiz esquecida

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João Gonçalves: “Modéstia à parte, faço o bom duplo-sentido. Não puxo para a pornografia. Falo o que tem no dicionário” / Foto: Snides Caldas

“Ele até hoje é o mestre do duplo sentido e não apareceu outro”, afirma Abdias do Acordeon, quem mais gravou músicas de João. “Passar de mil músicas gravadas, inclusive no exterior é uma grande marca”, avalia Abdias, que participou da homenagem ao compositor de ‘Pescaria em Boqueirão’.

O sanfoneiro lembra que Messias Holanda foi o primeiro a gravar João Gonçalves, depois vieram Genival, Trio Nordestino, Os Três do Nordeste e outros nomes da música regional nordestina. “Somente eu devo ter gravado mais de 60 músicas dele”, contabiliza Abdias, apontando ‘Vizinha fofoqueira’ como o sucesso com o qual ele próprio estou em execução nas emissoras de rádio e em vendas.

Censura e prisões

A maestria de João Gonçalves em escrever esse tipo de música não o livrou da censura e da perseguição policial, já que a fase de maior sucesso, na década de 70, coincidiu com o período mais duro da ditadura militar. Por causa de suas letras, foi preso duas vezes.

Num dos casos, já divulgado em relatos anteriores, João conta sobre quando foi preso em Cajazeiras no Alto Sertão da Paraíba: “Eu nem cantei porque o dr. Clóvis (da Polícia Federal) estava na cidade. Só a banda tocou a música Pescaria em Boqueirão. O público é que cantou a música inteirinha”. Não adiantou. João foi para a cadeira, porque o agente da censura, cujo sobrenome o artista não lembra, já o havia avisa que ele não poderia mais executar ‘A minhoca’ – como a música ficou conhecida – em território paraibano.

Em outro relato, João afirma que chegava a enviar ao Departamento de Censura entre 30 e 40 músicas para gravar um LP com 12 faixas, com o que sobrava do que era censurado: “Quando o pessoal da censura via o nome de João Gonçalves já ia cortando as músicas”.

O artista calcula que somente por causa de ‘Pescaria em Boqueirão’ deva ter vendido mais de 100 mil cópias, “mas como não se fazia contagem de venda como se faz hoje…”.

Foram 12 LPs gravados pela Copacabana, Polygram, Continental, CBS, Chantecler, mas a maioria pela Tapecar. Fez sucesso, ganhou dinheiro, mas reconhece não ter sabido administrar isso. Atualmente, mora em casa modesta, no bairro do Quarenta.

 

(José Carlos dos Anjos Wallach e Snides Caldas)