Sertanejo atravessa o forró nas festas juninas da Paraíba

Sertanejo atravessa o forró nas festas juninas da Paraíba

Música - 30, maio, 2017

 

“Eu acho que a situação só muda se a classe artística se mover”. O caminho é dado pelo artista Flávio José, um dos nomes mais tradicionais do autêntico forró, falando sobre a perda de espaços que a música nordestina vem sofrendo nas festas juninas, sobretudo nos eventos promovidos pelas prefeituras.

Flávio José: “A gente se sente intruso”

“É muito triste. Agora quando vou tocar tem um sentimento muito esquisito, de se sentir como um intruso na própria casa”, diz Flávio, ilustrando a forma como muitos dos artistas nordestinos têm encarado a forte invasão do ritmo sertanejo.

Preparando a festa, mas fora dela

Nesse contexto, uma cena curiosa chegou às redes sociais nesta terça-feira: o compositor Dilsinho Medeiros, filho do mestre sanfoneiro Severino Medeiros, que foi recentemente homenageado com título de cidadão campinense por sua contribuição à cultural forrozeira, pinta uma barraca entre as muitas que formam a parte da quermesse no Parque do Povo e aponta para o palco principal do espetáculo, que este ano recebe o nome de Parafuso, uma justa homenagem ao zabumbeiro dos 3 do Nordeste falecido no ano passado.

Dilsinho Medeiros: artista da terra faz bico para embelezar o São João, mas não toca na festa / Reprodução Facebook

Dilsinho, muito conhecido em Itaúnas (ES) onde é realizado um dos maiores festivais de forró do Brasil, até esta terça-feira seguia fora do elenco escolhido pelos empresários do ‘Maior São João do Mundo’. Assim como ele, Roninho do Acordeon, Geovane Junior (este até o ano passado era a atração no palco principal no Dia dos Namorados), Biliu de Campina, Genival Lacerda, Santana, também foram preteridos.

“Acho que quem organizou a festa em Campina não sabe muito sobre o forró de raiz. Nos anos anteriores a coordenação estava com Temir Cabral, que conhece a cena local. Isso complicou muito para os artistas da cidade”, avalia Dilsinho Medeiros.

A primeira vez

O maestro, sanfoneiro e professor de música campinense Edglei Miguel vê a cena como escolha pessoal da organização do evento, que fez as opções baseando-se sobretudo na questão publicitária. Mas entende a situação como falta de conhecimento local.

“Sempre caminhei com proximidade dos organizadores da festa (antigos). Hoje pode ser que a pessoa organizadora não tenha conhecimento do meu trabalho. Toco no Parque do Povo desde os 7 anos de idade, há 27 anos. Nunca havia ficado de fora e nunca me imaginei fora”, disse.

Sem ressentimentos, o músico deseja que o ‘Maior São João do Mundo’, “independente da sua característica, seja um sucesso, até porque temos que desejar tudo de bom para os colegas que lá estarão se apresentando”, concluiu.

Não é só Campina

O ‘Maior São João do Mundo’, hoje gerenciado por uma empresa privada – embora aberto ao público – é o centro das críticas, o que é compreensível por ser essa festa a mais expressiva no calendário junino nacional. A invasão dos ritmos alheios ao forró já vinha de alguns anos, mas na edição de 2017 o sertanejo ocupou em maior número as principais datas e no melhor local do evento, o palco principal do Parque do povo, ainda chamado de ‘Quartel General do Forró’.

Nesta terça-feira (30), a três dias do início da programação junina de Campina Grande, a edição impressa do Jornal Correio da Paraíba traz debate sobre esse processo de sertanejização do São João paraibano, fenômeno que ocorre em paralelo com a transformação também evidente em Pernambuco e Bahia. O trabalho é do repórter da editoria de Cultura, José Luiz Maia, com depoimentos de nomes como Flávio José, Sandra Belê e Cecéu. Segue a íntegra:

O tamanho do forró

(Por André Luiz Maia)

Diante do processo evolutivo, certas práticas caem em desuso, outras se fortalecem sob o espectro da palavra tradição. Nesta dinâmica, outro fator também entra na matemática: as práticas mercadológicas. Nessa trincheira, o forró tradicional está em franca desvantagem. O que os profissionais do gênero atestam é que há cada vez menos espaço, em condições esquisitas. O CORREIO foi atrás de alguns forrozeiros que pudessem nos apresentar pontos de vista que esclareçam o tamanho que o forró de raiz tem hoje em dia dentro do mercado.

As discussões ficaram mais acirradas com a divulgação da programação do São João de Campina Grande deste ano. Pela primeira vez, uma empresa privada ficou encarregada de organizar o evento: a Aliança, que recebe um patrocínio de R$ 2,9 milhões da Prefeitura de Campina Grande. Mas a configuração da programação mudou drasticamente.

Houve um aumento de atrações do universo da música sertaneja: Luan Santana, Henrique e Juliano, Fernando e Sorocaba, César Menotti e Fabiano, Thaeme e Thiago, Léo Magalhães, Maiara e Maraísa, Simone e Simaria, Bruno e Marrone e Thiago Farra. O gênero dominou a programação.

Como consequência, figuras já consagradas na festividade junina da cidade deixaram de se apresentar, sendo o caso mais emblemático o de Jairo Madruga, há 34 anos a voz que abria o São João de Campina. Este ano, foi descartado. Contudo, a cantora Sandra Belê, um dos nomes da geração mais jovem que canta forró tradicional, alerta que esse escanteamento não foi súbito.

Jairo Madruga canta na abertura do ‘Maior São joão do Mundo’, em 2016, última apresentação do artista no evento / Foto: Festar

“Apesar de ter muita atração nordestina nas edições anteriores, o forró tradicional já era relegado a dias com menor público, como os primeiros dias da semana, segunda, terça, quarta-feira. Esse ano foi algo descarado, mas antes tinha essa ‘preocupação’ em ter forró tradicional, só que como uma cota, para preencher espaço”, ressalta.

Nome que dispensa apresentações, Cecéu, da dupla com Antonio Barros, há tempos que não se apresenta em grandes festas como a do São João de Campina Grande. No entanto, o sentimento de insatisfação também lhe move a tecer críticas.

“Realmente,  nós chegamos a um ponto de que não precisamos garimpar espaços nessas festas, temos uma carreira longa. Mas é um absurdo, fiquei muito sentida por todos os músicos que continuam defendendo o verdadeiro forró serem escanteados dessa forma. A culpa disso é dos contratantes, não do povo paraibano”, avalia.

Céceu, ao lado de Antonio Barros: “Fiquei muito sentida, por todos os músicos” / Foto web

Sandra, por outro lado, joga na conta da gestão pública. “Para mim, isso tudo fica na conta da Prefeitura de Campina Grande. Ela que optou por entregar uma festa tradicional, do povo, para uma empresa privada. Esse ano já está sendo tudo cercado, não me espantaria se no ano que vem comecem a cobrar ingressos”, observa com preocupação.

Mas engana-se quem acredita que essa situação se dá apenas em Campina Grande. “Eu percebo isso em muitas festas aqui pela Paraíba. Ano passado levei meu show de São João para dez cidades. Este ano, nenhuma quis me chamar, alegando a necessidade de uma rotatividade de artistas. No entanto, se artistas com menos tempo de carreira chegam por lá, alegam a falta de experiência e de repercussão pública como impeditivo. É algo muito esquisito”, afirma Sandra Belê.

A visão é compartilhada por Flávio José que, assim como Cecéu, é um nome de peso e com uma discografia extensa no que diz respeito a forró tradicional. “O espaço está diminuindo demais. Já cheguei a fazer 24 shows em junho, mas há dois anos não passo dos catorze. É no Nordeste inteiro esse processo”, explica o músico, que cita as festas de São João de Caruaru e de cidades baianas como exemplos do mesmo processo pelo qual Campina Grande passa.

Sandra Belê: “Forró já vinha sendo programado para dias de menor público” / Foto web

Ano após ano, os espaços para forró fora do período junino já se encontram reduzidos, como lembra Sandra Belê. “A gente ainda faz, no circuito independente, festas e shows com bilheteria, mas está longe de ser algo satisfatório. Esperamos o ano todo por junho para tocar, mas está difícil. Estão se utilizando do discurso de crise para nos excluir da programação”, denuncia.

Flávio não enxerga um futuro positivo a respeito dessa questão. “Realmente são poucas as esperanças. E eu falo isso do alto da minha trajetória e discografia, imagino que para quem está começando no forró a situação seja muito mais difícil”, avalia. “Eu acho que a situação só muda se a classe artística se mover, se posicionar. Estamos conversando muito sobre o assunto e a insatisfação é geral”, conta Sandra.

Assim como a cena pernambucana, que teve que se mobilizar para conquistar políticas de valorização da cultura do frevo, talvez seja a hora dos forrozeiros se movimentarem e reforçarem o forró tradicional enquanto peça-chave da cultura nordestina.

 

(Da Redação, com sucursal de Campina Grande e Jornal Correio da Paraíba)